Caro Leitor(a),
Dizer o que está vivo no meio de uma infinidade de partículas microscópicas não é uma tarefa tão fácil quanto parece. [Imagem: Manuel Bedrossian et al. - 10.1089/ast.2016.1616]
Busca por vida extraterrestre
Desde o programa Viking da NASA, no final da década de 1970, nenhuma sonda espacial foi lançada para procurar explicitamente por vida extraterrestre - isto é, por organismos vivos reais. Em vez disso, o foco tem sido encontrar água.
Acontece que a lua Encélado, de Saturno, tem muita água, equivalente a um oceano terrestre, embora escondida sob uma concha gelada que cobre toda a superfície. Isso já é suficiente para transformar Encélado no alvo número um na busca por vida extraterrestre - vida microbiana, diga-se de passagem.
Uma das ideias sendo consideradas consiste em fazer uma sonda espacial voar através dos gêiseres ejetados pelo oceano subterrâneo de Encélado e procurar organismos vivos nesse vapor de água.
Contudo, embora encontrar bactérias em uma amostra de água no laboratório seja simples, criar um aparelho que faça isso automaticamente e com segurança a bilhões de quilômetros da Terra não tem nada de simples.
"É mais difícil distinguir entre um micróbio e um grão de poeira do que você pode imaginar," disse Jay Nadeau, astrobióloga do Instituto de Tecnologia da Califórnia. "Você precisa diferenciar o movimento browniano, que é o movimento aleatório da matéria, e o movimento intencional e autodirigido de um organismo vivo".
Microscopia holográfica digital
Para detectar o movimento de um ser vivo, a pesquisadora propõe usar uma técnica chamada microscopia holográfica digital, devidamente adaptada para detectar micróbios vivos no espaço por meio do seu movimento.
"Observar padrões e a química é útil, mas acho que precisamos dar um passo atrás e procurar por características mais gerais dos seres vivos, como a presença de movimento. Ou seja, se você vê uma E. coli, você sabe que ela está viva - e não é, digamos, um grão de areia - por causa do jeito que ela se move," defende Nadeau.
Se a "coisa" se mover é muito mais fácil detectar o movimento para saber que se trata de um ser vivo. [Imagem: Manuel Bedrossian et al. - 10.1089/ast.2016.1616]
Na microscopia holográfica digital, um objeto é iluminado com um laser e um detector mede a luz refletida pelo objeto. Essa luz dispersa contém informações sobre a amplitude (a intensidade) da luz dispersa e sobre a sua fase (uma propriedade que pode ser usada para indicar a distância que a luz viajou após a dispersão). Com as duas informações, um programa de computador pode reconstruir uma imagem 3-D do objeto, uma imagem que pode mostrar o movimento através das três dimensões.
"O microscópio holográfico digital permite que você veja e acompanhe até os mais minúsculos movimentos," esclarece Nadeau. Além disso, marcando potenciais micróbios com corantes fluorescentes que se ligam a classes de moléculas que provavelmente serão indicadoras de vida - proteínas, açúcares, lipídios e ácidos nucleicos - "você pode dizer de que os micróbios são feitos," acrescentou.
Testes e incertezas
A equipe de Nadeau já testou o método em amostras de água do Ártico e conseguiu detectar organismos vivos com densidades populacionais de 1.000 células por mililitro de água, semelhante ao que existe em alguns dos ambientes mais extremos da Terra, como os lagos subglaciais - para comparação, o oceano aberto contém cerca de 10.000 células bacterianas por mililitro. O próximo passo será testar amostras de água da Antártica, que possui ainda menos micróbios.
A técnica é promissora, mas certamente não será a única a ser embarcada em uma missão a Saturno, tipicamente demorada e de alto custo, porque ela tem alguns pressupostos bastante incertos. Por exemplo, se há micróbios no oceano profundo de Encélado, será que os micróbios conseguem sobreviver a uma viagem ao espaço no meio dos gêiseres, para continuarem se movendo? E, em caso afirmativo, será que uma sonda conseguiria coletar amostras sem matar esses micróbios?
Redação do Site Inovação Tecnológica - 22/08/2017
Bibliografia:
Digital Holographic Microscopy, a Method for Detection of Microorganisms in Plume Samples from Enceladus and Other Icy Worlds
Manuel Bedrossian, Chris Lindensmith, Jay L. Nadeau
Astrobiology
DOI: 10.1089/ast.2016.1616
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Hélio R.M.Cabral (Economista, Escritor e Pesquisador Independente das Ciências: Espacial; Astrofísica; Astrobiologia e Climatologia, Membro da Society for Science and the Public (SSP) e assinante de conteúdos científicos da NASA (National Aeronautics and Space Administration) e ESA (European Space Agency.
e-mail: heliocabral@coseno.com.br