Caro Leitor(a),
08/03/2016
É assim que os astrônomos imaginam ser nossa galáxia, ainda que a Via Láctea possa ser 50% maior do que se calcula.[Imagem: Yan Xu et al. -
10.1088/0004-637X/801/2/105]
Bojo galáctico
As
primeiras entre as centenas de bilhões de estrelas da Via Láctea - as
estimativas variam entre 100 e 400 bilhões - podem ter começado a brilhar há 13
bilhões de anos, antes mesmo da formação completa da galáxia.
Esta é uma
importante dedução suscitada por um mapa cronográfico pioneiro das estrelas
mais antigas da galáxia. A principal conclusão do trabalho é que a galáxia
começou a formar estrelas de dentro para fora, ou seja, primeiro no núcleo,
pipocando depois em direção à sua periferia, o halo galáctico.
Para
entender o significado da pesquisa é preciso imaginar o formato da Via Láctea.
Trata-se de uma galáxia em espiral, cujos braços se espraiam a partir do
núcleo, formando um disco de 100 mil anos-luz de diâmetro. Em torno do núcleo
galáctico, a densidade estelar, ou seja, a quantidade de estrelas próximas umas
das outras, é grande.
A essa
concentração de estrelas que orbitam próximas ao núcleo dá-se o nome de bojo
galáctico. Afastando-se do núcleo, a quantidade de estrelas cai e, por
consequência, o disco galáctico afina até chegar às bordas, na periferia da
galáxia, onde a densidade estelar é rarefeita.
Mas isso é
uma pequena parte da galáxia, a parte visível à maioria dos observatórios
astronômicos. O disco da Via Láctea está envolto pelo halo galáctico. Trata-se
de um volume de espaço esférico muitas vezes maior que o disco.
As
dimensões do halo galáctico são da ordem de várias centenas de milhares de
anos-luz. Ele é composto principalmente por matéria escura, uma matéria
invisível e desconhecida que faz com que a galáxia mantenha a sua coesão para
não se estilhaçar. Mas o halo também é composto por nuvens de hidrogênio - e
por estrelas.
O mesmo catálogo, o SDSS, usado pelos brasileiros, mostrou
que a luz desconhecida emitida pelas galáxias não é produzida por buracos
negros. [Imagem: Jennifer Johnson/SDSS]
Estrelas azuis
As
estrelas do halo podem ser divididas em três conjuntos. No primeiro, estão
agrupadas as dezenas de milhares em densos aglomerados esféricos chamados
aglomerados globulares.
Conhece-se
cerca de 150 aglomerados orbitando a Via Láctea, mas há também dois outros
conjuntos estelares. Existem estrelas que foram parar no halo porque sua
velocidade de escape fez com que se desgarrassem do disco galáctico.
E há
igualmente aquelas que originalmente pertenciam a outras galáxias, pequenas,
que acabaram canibalizadas pela Via Láctea há bilhões de anos. São estes dois
últimos conjuntos de estrelas os alvos de investigação do trabalho
recém-publicado. Mais especificamente, a pesquisa envolveu um tipo particular
de estrelas do halo, as chamadas "estrelas azuis do ramo horizontal".
"São
estrelas gigantes, em média dez vezes maiores que o Sol, que se encontram a
caminho do fim da sua vida. Aquelas estrelas já passaram da sua fase jovem,
quando queimavam hidrogênio. Estão agora na fase avançada, fundindo hélio e
carbono", explicou Rafael Santucci, membro da equipe.
Quando
esse suprimento findar, elas encolherão e se tornarão anãs brancas, que é o
mesmo futuro do Sol. Os pesquisadores pretendiam reunir um grande número dessas
estrelas azuis do ramo horizontal para analisar a cor de sua luz. Com isso,
talvez fosse possível estimar a sua idade.
O cálculo
da idade de uma estrela é feito a partir da combinação da análise da sua cor e
também da assinatura química de sua luz. "As cores das estrelas estão
relacionadas com suas temperaturas, que, por sua vez, estão relacionadas com
suas massas, sendo que estas regem seus tempos de vida", disse Placco.
Santucci
observa que, no caso específico desta pesquisa, "as variações de idade que
descrevemos no trabalho foram baseadas nas cores".
Quanto às
cores das estrelas, na maioria dos casos estrelas jovens e grandes são brancas
ou azuis e estrelas de porte médio são amarelas ou laranjas. Estrelas velhas,
caminhando para o fim da vida, se tornam gigantes vermelhas, para na senilidade
virarem anãs brancas. "Mas as estrelas azuis do ramo horizontal são uma
exceção à regra. Elas mantêm a cor azul mesmo no fim da vida", disse
Santucci.
Espectroscopia
é a análise da assinatura química da luz das estrelas. Quando a luz produzida
no núcleo da estrela escapa, passando por sua atmosfera, qualquer elemento
químico presente na atmosfera deixa sua presença marcada para sempre no
espectro daquela luz. Quando os astrônomos registram a luz de uma estrela
distante, uma das primeiras coisas que fazem é analisar seu espectro.
Quando o Universo começou
sua expansão, havia somente três elementos químicos, o hidrogênio, o hélio e
uma pequena fração de lítio. Todos os demais elementos foram forjados no
coração da primeira geração de estrelas, que terminou a vida em cataclísmicas
explosões chamadas supernovas. Foram os detritos daquelas explosões que
semearam o meio interestelar com todos os elementos da tabela periódica.
Essa semeadura
prosseguiu e prossegue até hoje, com as supernovas das gerações subsequentes de
estrelas. Acredita-se que o Sol, devido à sua composição química, seja produto
da evolução de diversas gerações de estrelas. Em sua atmosfera existe uma
grande variedade de elementos químicos.
Ao
analisar o espectro da luz das estrelas, se os astrofísicos estão à caça de
astros muito antigos, irão procurar aqueles cuja assinatura química indique a
presença de alguns poucos elementos químicos além de hidrogênio, hélio e lítio,
notadamente o carbono e o nitrogênio, entre outros.
Quando os
cientistas encontram astros com tal composição, é um forte indicativo de que se
trata de estrelas muito antigas, pertencentes à segunda geração estelar do
Universo. "Elas podem ser tão ou mais antigas do que a Via Láctea",
afirmou Placco.
Um
primeiro trabalho do gênero foi publicado em 1991. Nele, a partir do estudo de
150 estrelas, procurou-se aferir sua distância e idade. Quanto à idade, não
foram bem-sucedidos. A qualidade dos dados à disposição à época ainda era rala.
"Vinte e quatro anos depois, o trabalho do Rafael (Santucci) foi fazer uma
nova seleção de estrelas", contou Vinícius Placco, coautor do estudo.
Para
tanto, Santucci mergulhou na gigantesca base de dados do projetoSloan
Digital Sky Survey (SDSS), nos Estados Unidos, cuja meta é catalogar
centenas de milhares de galáxias distantes. "Mas como as estrelas da Via
Láctea estão no meio do caminho, um subproduto importante do SDSS foi descobrir
muitos milhares de estrelas no halo galáctico", disse Santucci.
Ele
vasculhou nos arquivos do SDSS e conseguiu pinçar 4.700 estrelas. Foi a partir
do estudo dessas estrelas que se criou o primeiro mapa das estrelas mais
antigas da Via Láctea. "A quantidade e a qualidade dos dados hoje à
disposição são muito maiores e melhores do que aquelas do artigo de 1991",
disse Placco.
Com o mapa
dos dois hemisférios (acima e abaixo do disco galáctico) da Via Láctea, foi
possível descobrir o seguinte: as estrelas mais antigas se formaram antes ou
concomitantemente "ao colapso gravitacional da imensa nuvem de gás que
formou as estrelas do centro da Via Láctea", segundo explicou Santucci.
Crescimento invertido
"Nosso
mapa mostra que os objetos mais próximos do centro da galáxia têm uma idade de
cerca de 13 bilhões de anos", disse.
A partir
de então, as estrelas continuaram se formando, em ordem cronológica do centro
para fora. "Nosso estudo veio confirmar antigas teorias da evolução
galáctica, que postulavam que as estrelas mais antigas teriam se formado no
centro e as mais jovens progressivamente em direção ao halo. Ninguém tinha
mostrado isto antes", disse Santucci.
Como esse
resultado surpreendente não foi antecipado, os autores estão escrevendo um novo
artigo para submeter à revista Science.
"Trata-se de um mapa muito maior e mais preciso, feito a partir de uma
amostra com 100 mil estrelas", antecipou Santucci.
Uma
evidência da originalidade da pesquisa dos brasileiros está no trabalho da
concorrência acadêmica. Na primeira semana de janeiro, em reunião da Associação
Americana de Astronomia na Flórida, foi apresentado outro mapeamento das idades
das estrelas na Via Láctea, desta vez baseado em uma amostra de 70 mil estrelas
gigantes vermelhas.
O foco não
foi o halo, mas o disco galáctico. O trabalho confirmou o esperado quanto ao
crescimento da galáxia: começou no meio e cresceu para fora. A prova é a
abundância de estrelas antigas no meio do disco, segundo Melissa Ness, do
Instituto Max Planck de Astronomia, na Alemanha.
Bibliografia:
Chronography of the Milky Way's Halo System with Field Blue Horizontal-Branch Stars
Rafael M. Santucci, Timothy C. Beers, Vinicius M. Placco, Daniela Carollo, Silvia Rossi, Young Sun Lee, Pavel Denissenkov, Jason Tumlinson, Patricia B. Tissera
The Astrophysical Journal Letters
Vol.: 813, Number 1
DOI: 10.1088/2041-8205/813/1/L16 - 08/03/2016
Chronography of the Milky Way's Halo System with Field Blue Horizontal-Branch Stars
Rafael M. Santucci, Timothy C. Beers, Vinicius M. Placco, Daniela Carollo, Silvia Rossi, Young Sun Lee, Pavel Denissenkov, Jason Tumlinson, Patricia B. Tissera
The Astrophysical Journal Letters
Vol.: 813, Number 1
DOI: 10.1088/2041-8205/813/1/L16 -
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Hélio R.M.Cabral (Economista, Escritor
e Pesquisador Independente das Ciências:
Espacial; Astrofísica; Astrobiologia e Climatologia, Membro da Society for Science and the Public (SSP) e assinante de
conteúdos científicos da NASA (National Aeronautics and Space Administration) e
ESA (European Space Agency.
e-mail: heliocabral@coseno.com.br
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