Caro(a) Leitor(a);
Há um consenso na comunidade científica que a Terra é viva. Por exemplo, num só grama de terra, ou seja, menos de um punhado, vivem cerca de 10 bilhões de micro-organismos: bactérias, fungos e vírus, afirma-nos o grande biólogo E. Wilson em “A criação: como salvar a vida na Terra”, (2008, p. 26). São invisíveis mas sempre ativos, trabalhando para que a Terra permaneça viva e fértil. A Terra, assim cheia de vida, é a mãe que gera todos os seres vivos.
Tal constatação não era evidente. Tanto para Einstein quanto para Bohr “a vida ultrapassa a capacidade de compreensão da análise científica” (N. Bohr, “Atomic Physis and human knowledge”, 1956, cp. Light and Life, p.6). Entretanto a aplicação da física quântica, da teoria da complexidade (Morin), do caos (Gleick, Prigogine) e da Biologia Genética e Molecular (Maturana, Capra) mostraram que a vida representa a irrupção de todo o processo evolucionário, desde as energias e partículas mais originárias, passando pelo gás primordial, as grandes estrelas vermelhas, a super novas, as galáxias, o pó cósmico, a geosfera, a hidrosfera, a atmosfera e finalmente a biosfera.
Como afirma o prêmio Nobel em Biologia de 1974, Christian du Duve: “o carbono, o hidrogênio, o nitrogênio, o oxigênio, o fósforo e o enxofre formam a maior parte da matéria viva” (“Poeira vital: a vida como imperativo cósmico”, 1995, cp.1).
Foi obra especial de Ilya Prigogine, prêmio Nobel em Química em 1977, mostrar que não basta a presença dos elementos físico-químicos. Eles trocam continuamente energia com o meio ambiente. Consomem muita energia e por isso aumentam a entropia (desgaste da energia utilizável). Ele as chamou, com razão, de estruturas dissipativas (gastadoras de energia). Mas são igualmente estruturas dissipativas num segundo sentido, paradoxal, por dissiparem a entropia.
Os seres vivos produzem entropia e ao mesmo tempo escapam da entropia pelo fato de metabolizarem a desordem e o caos do meio ambiente em ordens e estruturas complexas. Elas se auto-organizam, fugindo à entropia, produzindo negentropia: entropia negativa; positivamente: produzem sintropia (“Order out of Chaos”, 1984).
O que é desordem para um serve de ordem para outro. É por meio de um equilíbrio precário entre ordem e desordem (“Caos: Dupuy, Ordres et Désordres”, 1982) que a vida se mantêm (Ehrlich, “O mecanismo da natureza”, 1993, 239–290).
Baste-nos a referência às investigações do médico e biólogo inglês James E. Lovelock e da bióloga Lynn Margulis (Gaia, 1989; 1991; 2006; José Lutzemberger, Gaia, o Planeta Vivo: por um caminho suave,1990; Lynn Margulis, Microcosmos, 1990) que constataram que vigora uma calibragem sutil entre todos os elementos químicos, físicos, entre o calor da crosta terrestre, a atmosfera, as rochas, os oceanos, todos sob os efeitos da luz solar, de sorte que tornam a Terra boa e até ótima aos organismos vivos. Ela surge destarte como um imenso super-organismo vivo que se autoregula, chamado por James E. Lovelock, de “Gaia”, consoante a clássica denominação da Terra viva de nossos ancestrais culturais gregos.
Isso vale também para nós humanos. Entre nós se originam formas de relação e de vida nas quais predomina a sintropia (economia de energia) sobre a entropia (desgaste de energia). O pensamento, a comunicação pela palavra, a solidariedade, o amor são energias fortíssimas com escasso nível de entropia e alto nível de sintropia. Nesta perspectiva temos pela frente não a morte térmica, mas a transfiguração do processo cosmogênico se revelando em ordens supremamente ordenadas, criativas e vitais. Mas qual é o termo desse futuro nos é totalmente misterioso.
(Foto: Bryan Goff/ Unsplash)
A articulação sinfônica das quatro interações básicas do universo (a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear forte e a nuclear fraca) continuam atuando sinergeticamente para a manutenção da atual seta cosmológica do tempo rumo a formas cada vez mais relacionais e complexas de seres. Muitos cientistas sustentam que elas, na verdade, constituem a lógica e o dinamismo interno do processo evolucionário; por assim dizer, a estrutura, melhor dito, a mente ordenadora do próprio cosmos.
Vale citar a famosa afirmação do físico britânico Freeman Dyson (*1923): “quanto mais examino o universo e os detalhes de sua arquitetura, mais acho evidências de que o universo sabia que um dia, lá na frente, iríamos surgir” (Disturbing the Universe, 1979, p. 250).
Esta visão sustenta que o universo é constituído por uma imensa teia de relações de tal forma que cada um vive pelo outro, para o outro e com o outro; que o ser humano é um nó de relações voltado para todas as direções; e que a própria Divindade se revela como uma Realidade panrelacional, como o Papa Francisco enfatiza em sua encíclica “Laudato Si’” (n. 239). Se tudo é relação e nada existe fora da relação, então, a lei mais universal é a sinergia, a sintropia, o inter-retro-relacionamento, a colaboração, a solidariedade cósmica e a comunhão e fraternidade/sororidade universais. É o que nos falta no mundo atual.
Essa visão de Gaia poderá reencantar nossa convivência com a Terra e fazer com que vivamos uma ética da responsabilidade necessária, da compaixão e do cuidado, atitudes que salvarão a vida na Casa Comum, na Terra.
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Fonte: Leonardo Boff / Publicação 29/09/2025
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