A Sputnik Brasil conversou com exclusividade com a Agência Espacial Brasileira (AEB), e outros especialistas em satélites, para compreender algumas questões sobre o funcionamento do Amazônia 1, assim como sua importância para o programa espacial do Brasil.
No dia 2 de março, os cientistas brasileiros respiraram fundo com os indícios de que o satélite Amazônia 1 poderia estar com problemas em sua trajetória no espaço. No dia seguinte, a polêmica foi prontamente desmentida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que dias depois, antecipando uma agenda previamente divulgada, revelou imagens do satélite em perfeito funcionamento.
Assim, o programa espacial brasileiro, definem os analistas ouvidos por esta reportagem, segue em sua trajetória ascendente e implacável pelo desenvolvimento da ciência nacional, e, em especial com o Amazônia 1, pela proteção das florestas e biomas do Brasil.
Para compreendermos a importância deste satélite, assim como os supostos problemas que ele enfrentou, e toda sua importância para o desenvolvimento tecnológico no país, a Sputnik Brasil conversou com diversos especialistas em engenharia espacial. Entre eles, o presidente da AEB, Carlos Moura; o diretor do INPE, Clezio de Nardin; o professor da UFRJ e engenheiro de softwares Cláudio Miceli Farias; e o economista da Unicamp Marcos Barbieri Ferreira, especialista nas indústrias aeroespaciais.
O 1º susto: 'Ele parece descontrolado'
No dia 2 de março, rastreadores de satélites nos EUA e na Itália fizeram captações intermitentes de sinais transmitidos pelo Amazônia 1. Em seguida, uma conta norte-americana postou em uma rede social: o Amazônia 1 "parece estar caindo". Em um e-mail enviado à Sputnik Brasil, o diretor do INPE comentou esse episódio, culpando a leviandade das redes sociais pela circulação de mentiras.
"Essa é uma pergunta de difícil resposta. Eu também não entendo por que que surgem boatos na Internet. Mas assumo que alguém deva ter detectando nossos testes realizados com o satélite e isso tenha levado alguns incautos a achar que aquilo indicava que o mesmo estava fora de controle".
Após ter desmentido os boatos de que o satélite estaria fora de controle, o INPE antecipou na última sexta-feira (12) a divulgação das imagens feitas pelo Amazônia 1. Questionado se a antecipação das fotos poderia estar relacionada à polêmica do descontrole, Clezio de Nardin afirmou que foi uma questão de agenda.
"Naquela data, nós tínhamos uma expectativa de liberarmos as primeiras imagens no dia 15 de março. Mas, a agenda do ministro Marcos Pontes ficou disponível uns dias antes. Como tínhamos algumas imagens de teste já processadas, decidimos aproveitar a oportunidade".
O sucesso do Amazônia 1
O projeto do satélite brasileiro teve um investimento de R$ 380 milhões e levou 13 anos para ser colocado em execução. Com ele, o Brasil passa a ter um satélite próprio com sensoriamento remoto óptico, o que significa que o país terá mais acesso a informações sobre o seu território, mares e fronteiras.
O presidente da AEB, Carlos Moura, entende que a missão do Amazônia 1 reuniu importantes instituições públicas e privadas. "Agora, com a colocação em órbita, passamos a outra importante fase, a de operação continuada, provendo imagens de monitoramento óptico importantíssimas para diversas demandas nacionais".
Para Marcos Barbieri Ferreira, outro ganho importante com relação ao Amazônia 1 é que este satélite "foi pensado em uma plataforma de multimissão. O que é isso? Ao invés de fazer um satélite para determinada atividade, eu faço um com mais módulos, que é onde opera-se o satélite. O Amazônia 1 é um projeto que não é apenas este satélite, ele visa três satélites diferentes. Isso facilita muito futuras pesquisas e lançamentos. Ele pode ser utilizado para diferentes tipos de missões. O Amazônia 1 é fundamental se pensarmos no programa da AEB, tendo em vista outras atividades".
Carlos Moura partilha este entendimento. Segundo ele, "o sucesso da plataforma multimissão poderá ensejar novas aplicações, sejam ópticas, de radar ou científicas".
Ele enfatizou ainda que "essa comprovação em voo facilitará o envolvimento da nossa indústria espacial não apenas no Programa Espacial Brasileiro, mas também na inserção no mercado internacional, que cresce forte e consistentemente há anos. Isso aumenta a relevância do país, tanto em termos de tecnologias, como de possibilidades em negócios e ciências espaciais".
Já temos o satélite, agora queremos o lançamento
Como se sabe, o Amazônia 1 foi lançado na missão PSLV-C51, da agência espacial indiana, a Indian Space Research Organisation (ISRO, na sigla em inglês). O Brasil não tem um foguete grande o suficiente para levar um satélite como o Amazônia 1 à órbita.
O economista Marcos Barbieri Ferreira explica que "para lançar por Alcântara é preciso três coisas: a base, o VLS [sigla para Veículo Lançador de Satélites], e o satélite. O Brasil não tem o segundo. E não é possível trazer um veículo lançador, por exemplo, da Índia. Imagine, fazer o sistema de lançamento, o custo de transportar o VLS [...]. Ia custar uma fábula. Apenas o lançamento custou US$ 26 milhões [cerca de R$ 145,7 milhões]. Apenas o lançamento é mais de um terço do custo total do projeto. Isso é uma fraqueza do nosso programa espacial".
Enquanto o foguete indiano PSLV-C51 tem 44,4 metros, o foguete brasileiro VLS tem apenas 19,7 metros de altura. Além disso, a base de Alcântara também não tem uma plataforma com dimensões e estruturas adequadas para lançar um foguete maior. A Sputnik Brasil questionou os entrevistados a respeito da importância do Amazônia 1 tendo em vista o futuro de Alcântara.
Para Carlos Miceli, a questão sobre lançamentos pela base brasileira é uma incógnita. "Então, é difícil falar em uma data. O Brasil avança a passos largos para nossa tecnologia espacial trabalhar com lançamento de foguetes, mas eu não vejo isso acontecendo antes dos próximos dez anos", afirmou.
O presidente da AEB, neste sentido, é mais otimista. "O centro estará habilitado para acolher, já em 2022, empresas dedicadas a lançamentos de satélites de pequeno porte, da ordem de até 100kg. Satélites similares ao Amazônia 1 demandarão veículos maiores, o que será viável em um horizonte de dois a três anos", sentenciou.
A questão do desmatamento
Não é novidade que o Brasil bate recordes anuais seguidos de desmatamento e queimadas. O desmatamento na Amazônia em 2020 foi mais de três vezes superior à meta proposta pelo Brasil para a Convenção do Clima. Não obstante, ainda no passado o país assistiu horrorizado à destruição completa de biomas no Pantanal.
Entendido como uma joia da engenharia espacial brasileira, o Amazônia 1 pode ajudar no enfrentamento das mudanças climáticas e da destruição ambiental no país. A AEB sustenta que o satélite servirá para aplicações de agricultura, monitoramento de grandes áreas sujeitas a riscos ambientais, planejamento urbano e monitoramento de nossos mares.
"No caso específico do Amazônia 1, queria-se um satélite de imageamento com uma resolução de aproximadamente 60 metros para cobrir uma faixa de aproximadamente 800 quilômetros a fim de responder sobre a evolução das coberturas de terrenos. Portanto, assumo que a decisão tomada nesta época seja com base nesses parâmetros e, por consequência, não se deve ter escolhido a banda L".
Cláudio Miceli Farias, especialista em software e sistemas de computação, entende que "o satélite está habilitado para fazer essas análises de desmatamento. Tendo em vista os primeiros resultados divulgados, ele cumpre a função desejada, apesar das escolhas de implementação. A questão da banda L, talvez, seja uma escolha do próprio INPE, tendo em vista o objetivo do satélite. O que podemos dizer é que é um sucesso".
As melhorias com relação ao CBERS
Para quem não lembra, CBERS é uma sigla para China-Brazil Earth-Resources Satellite; ou Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres. Trata-se de uma denominação de um programa de cooperação tecnológica entre China e Brasil para a produção de uma série de satélites de observação da Terra.
Sobre este assunto, o professor Marcos Barbieri Ferreira fez uma explicação: "A principal diferença é que o CBERS foi um acordo que o Brasil fez com a China na década de 1980, em outro contexto, principalmente para a China. O Amazônia 1 é parte de um projeto de 1970, a Missão Espacial Completa Brasileira, que utilizaria tecnologia nacional para colocar um satélite no espaço. O grande problema foi que o Veículo Lançador de Satélite nunca evolui no Brasil como previsto".
Ainda de acordo com ele, "o Amazônia 1 é bem menor, em tamanho, e tem uma resolução maior. Os outros satélites foram importantes para o projeto CBERS, que foi o maior sucesso da Agência Espacial Brasileira até então".
Cláudio Miceli relembrou que o Brasil contribuiu com 50% da missão no CBERS, "então a gente deve continuar essa missão mesmo com o Amazônia 1".
Segundo ele, "a principal diferença é que o Amazônia 1 servirá exclusivamente para os nossos testes, com tecnologia brasileira. Então, estamos em um processo de fechar módulos de serviço, ou seja, que vão servir para os nossos próprios testes, para as nossas próprias análises, e depois vamos começar os testes ambientais".
O especialista concluiu dizendo que este "é um momento de grande orgulho para a engenharia brasileira. Mas é preciso investir nas parcerias com o BRICS. Tanto Rússia, China quanto a Índia são países que estão abertos a esse tipo de cooperação. Mas estamos correndo bem, com domínio sobre tecnologias de análises de biomas, análises ambientais, e esse é o intercâmbio que a gente pode fazer. Então, é um sopro de esperança nesses momentos complicados que a gente vive".
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