Carlos Leitores;
NASA'S GODDARD SPACE FLIGHT CENTER/CHRIS SMITH (USRA) / HANDOUT
Planeta do tamanho da Terra em zona habitável identificado pela NASA é mais um passo na exploração do universo fora do sistema solar. Para encontrar um 'gémeo da Terra', falta que também a estrela seja parecida com o nosso Sol, o que “vai acontecer nos próximos anos”, garantem investigadores portugueses empenhados na aventura. E vida extraterrestre? “Quem sabe, uma espécie de Terra primordial, como foi a nossa há milhões de anos”
esmo na vida de quem tem por missão descobrir novos mundos, há encontros mais especiais do que outros. João Faria é investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e não esconde o “entusiasmo” com que recebeu o anúncio da descoberta de um novo planeta extra-solar, de tamanho semelhante ao da Terra e em zona habitável. Dada esta segunda-feira pela NASA, a notícia é um lembrete de que um planeta como este, ao mesmo tempo que “é dos primeiros a ser descoberto”, “pode ser mais comum” do que até aqui se imaginava, explica o investigador. Mas abre também a porta a uma série de dúvidas, especialmente para quem a vê de fora: o que há ou pode haver no interior destes planetas? Quais os passos que se seguem? O que significa para o entendimento do mundo fora do sistema solar? Estaremos à beira de descobrir vida extraterrestre ou uma 'outra Terra'?
O entusiasmo deve ser moderado. Há 24 anos que se sabe que existem exoplanetas, isto é, que há outros planetas a orbitar à volta de outros sóis, estrelas diferentes da nossa e fora do sistema solar. O último Prémio Nobel da Física foi o derradeiro reconhecimento aos responsáveis por essa revolução da ciência em geral e da astrofísica em particular: Michel Mayor e Didier Queloz descobriram em 1995 a estrela “51 Pegasi” e chamaram ao planeta à sua volta '51 Pegasi b'. Até ali, acreditava-se que o sistema solar era o único sistema planetário existente. Depois desse ano, nada foi igual e, por isso, mais de duas décadas depois, os cientistas foram coroados com o Nobel. Pelo meio, foram avistados mais de quatro mil planetas do mesmo género, extra-solares.
Em 2020, a forma de dar nome a esses planetas não mudou muito: os cientistas da NASA descobriram três a orbitar uma estrela chamada 'TOI 700' e chamaram-lhes 'TOI 700 b', 'TOI 700 c' e 'TOI 700 d'. Os planetas sempre nomeados em função da estrela. Acontece que o último, o da letra ‘d’, está na chamada zona habitável, que João Faria faz questão de distinguir de “zona habitada”, para evitar confusões. Significa que está num local “onde a água pode existir em estado líquido, mas onde isso não é certo”. Há outros critérios técnicos para definir a zona habitável de uma determinada estrela, mas um dos mais importantes é mesmo haver “a temperatura certa para essa possibilidade” de água à superfície. É significativo que esse seja o caso do 'TOI 700 d', já que, dos tais quatro mil exoplanetas já conhecidos, apenas uma dúzia está na condição de possível habitabilidade.
Só isso já faria do 'TOI 700 d' um planeta especial, mas trata-se do primeiro a ser descoberto pelo telescópio TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite), “projetado especificamente para encontrar planetas do tamanho da Terra a orbitar estrelas próximas”, como disse Paul Hertz, diretor da divisão de astrofísica da sede da NASA em Washington — a maioria dos outros foi avistada pelo telescópio espacial Kepler. “É uma descoberta científica essencial para o TESS”, prossegue Hertz, que o fez a partir do método de trânsito, isto é, detetou o planeta, e mediu-lhe o raio, no momento em que ele atravessou a estrela.
NASA'S GODDARD SPACE FLIGHT
CENTER/CHRIS SMITH (USRA) / HANDOUT
Portugal não está fora desta história. Apesar de não ter estado diretamente envolvido na descoberta, o IA assegura a coordenação científica do telescópio espacial TESS, e trabalhará agora nos próximos passos, quer na parte estelar (perceber que estrela é esta, caracterizá-la), quer na parte planetária — o passo mais importante é determinar a massa dos três planetas e ver de que são feitos, com especial destaque para o 'TOI 700 d'.
Tiago Campante, investigador do IA, fará parte do primeiro grupo. “Isto é um esforço internacional, que recorre a observatórios de vários países, já que nenhum tem o monopólio da pesquisa”, conta. O TESS é um telescópio de rastreio, cujo objetivo é fazer estatística, por isso, é na acumulação de casos destes que estará o segredo para que seja bem-sucedido. “Já desconfiávamos [que o TESS era capaz de os detetar], mas ter a confirmação é um marco fundamental”, continua Campante. O telescópio espacial já tinha descoberto outros exoplanetas, mas nunca um com um tamanho parecido com o da Terra e em zona habitável, na nossa vizinhança — pode soar estranho, mas cem anos-luz, a distância que separa o ‘TOI 700 d’ da Terra, é “relativamente pouco”, e faz deles vizinhos.
NASA'S
GODDARD SPACE FLIGHT CENTER/CHRIS SMITH (USRA) / HANDOUT
Para Tiago Campante, também professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, o ‘TOI 700 d’ “é um alvo muito promissor, no sentido de determinar a composição da sua atmosfera”. Até que isso aconteça, falta percebê-lo melhor, mas também à estrela que o acompanha. A 'TOI 700' é uma estrela anã-vermelha, diferente do Sol, mais pequena, menos massiva, e menos brilhante também, o que significa que a sua zona habitável é mais curta e que estará mais próxima do 'TOI 700 d'. “A atividade magnética deste tipo de estrelas pode destruir a atmosfera. É o que vamos tentar perceber. Se não for danosa, o planeta pode ter vida, na forma de gases como metano ou oxigénio”.
O QUE FALTA? UM PLANETA MAIS PARECIDO COM A TERRA A ORBITAR UMA ESTRELA MAIS PARECIDA COM O SOL
Um dia, Cristiano Ronaldo usou a metáfora do ketchup para explicar que às vezes é difícil marcar um golo, mas quando ele chega, outros imediatamente se lhe seguem, e a uma velocidade superior. A imagem não é absurda para a ciência. Há 25 anos não se sabia que havia exoplanetas, hoje há mais de quatro mil. Há cinco anos não se sabia que havia exoplanetas em zona habitável, até ser descoberto o Kepler-186f, em 2014. Desde aí, aparecem a um ritmo superior a um por ano. Para João Faria, o facto de o TESS chegar a este é um sinal de que “outros vão aparecer”. “É a prova de que estes planetas devem ser comuns”.
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HélioR.M.Cabral (Economista, Escritor e Divulgador de conteúdos da Astronomia, Astrofísica,
Astrobiologia e Climatologia).
Membro da Society for Science and the Public
(SSP) e assinante de conteúdos científicos da NASA (National Aeronautics and
Space Administration) e ESA (European Space Agency).
Participa do
projeto S`Cool Ground Observation (Observações de Nuvens) que é integrado ao
Projeto CERES (Clouds and Earth´s Radiant Energy System) administrado pela
NASA.A partir de 2019, tornou-se membro
da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), como astrônomo amador.
Participa também do projeto The Globe Program / NASA
Globe Cloud, um Programa de Ciência e Educação Worldwide, que também tem o
objetivo de monitorar o Clima em toda a Terra. Este projeto é patrocinado pela
NASA e National Science Fundation (NSF), e apoiado pela National Oceanic and Atmospheric
Administration (NOAA) e U.S Department of State.
e-mail: heliocabral@coseno.com.br
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